sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O que é Revolução de Florestan Fernandes e a Revolução Farroupilha

 
 
No inicio dos anos 1980, Florestan Fernandes publicou um pequeno livro, pela editora Brasiliense, chamado O que é Revolução. Apesar de todo o tempo que se passou desde então, o livro continua sendo uma referência sobre o tema. Nele, Florestan escreveu que "a palavra revolução encontra empregos correntes para designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na natureza ou na cultura. No essencial, porém, há pouca confusão quanto ao seu significado central: mesmo na linguagem de senso comum, sabe-se que a palavra se aplica para designar mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade. Daí o contraste frequente de “mudança gradual” e “mudança revolucionária” que sublinha o teor da revolução como uma mudança que “mexe nas estruturas”, que subverte a ordem social imperante na sociedade". 
 
Ainda, segundo o autor, "há uma tendência a tornar a revolução um fato “mítico” e “heroico”, ao mesmo tempo individualizado e romântico. Várias tradições convergem no sentido de anular o papel por assim dizer de suporte e instrumental das massas e salientar as figuras centrais, por vezes as “figuras heroicas e decisivas”. A burguesia cedeu a essas tradições e fomentou-as, a tal ponto que sua historiografia, mesmo quando busca os fatores externos, concentra-se no “culto aos heróis” e dá relevo aos papéis criadores dos “grandes homens”. A historiografia marxista nunca anulou a importância da personalidade nos processos históricos. O que distingue o marxismo, a esse respeito, é a tentativa de compreender a revolução como um fenômeno sociológico de classe". 
 
Assim, revolução é um processo de transformação profunda das estruturas políticas e sociais de uma nação. A partir desta definição podemos refletir se a Revolução Farroupilha foi realmente uma revolução ou apenas uma rebelião regencial, como tantas outras que ocorreram, neste mesmo período, em outras regiões do Brasil. 
 
Para isso, precisamos analisar sobre quais foram os motivos originais deste levante armado. 
 
Em primeiro lugar, os lideres farroupilhas (membros da oligarquia gaúcha) eram grandes estancieiros que desejam ampliar seus lucros. Para isso, eles exigiam a redução dos impostos sobre o charque, principal produto gaúcho da época. Em segundo lugar, em nenhum momento os líderes farroupilhas desejavam profundas transformações na política ou na sociedade escravocrata local. 
 
Entretanto, conforme a luta armada se prolongava, os líderes farroupilhas passaram a adotar medidas que realmente levaram o movimento em direção de se tornar numa revolução. Aboliram a escravidão dos que se alistassem no exército farrapo e proclamaram a República Rio-Grandense (lembre-se que, nesta época, o Brasil era uma monarquia). 
 
Assim, se a insurreição gaúcha de 1835 iniciou como um levante oligárquico elitizado, logo se tornou uma revolução armada. Porém, como sabemos, terminou com a assinatura do Tratado de Ponche Verde (1845) que aboliu muitas das conquistas revolucionárias dos farrapos.

 
Marcos Faber

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Spartacus: Blood and Sand e o Ultimate Fight Championship (UFC)

 
Em 2010, o canal norte-americano Starz lançou a série Spartacus: Blood and Sand que logo caiu nas graças do público e da crítica especializada, inclusive do Brasil, onde a série foi transmitida pelo canal FX. Porém, a série não pôde ter sua segunda temporada em 2011 devido a uma tragédia, o ator Andy Whitfield, que interpretava o papel de Spartacus, foi diagnosticado com câncer, vindo a falecer pouco tempo depois.
Com tudo, em janeiro passado, a segunda temporada (Spartacus: Vengeance) iniciou nos EUA, com Liam McIntyre assumindo o papel de Spartacus. A ideia é dar continuidade a série sem mudar o objetivo inicial, ou seja, contar a história, baseada em fatos reais, do mítico herói-escravo Spartacus, que liderou um exército de escravos contra as tropas romanas em 73 a.C.. Resistindo durante aproximadamente 2 anos às investidas imperiais, os rebeldes chegaram a somar mais de 100 mil integrantes, entretanto o fim foi trágico para os motinados.
A primeira temporada da série, Spartacus: Blood and Sand (Spartacus: Sangue e Areia) narra o período em que Spartacus esteve aprisionado no lúdus de Bastiatus, uma espécie de empresário de gladiadores. Neste local, Spartacus foi adestrado na arte do combate físico, sendo preparado para se transformar num gladiador.
A trama da série se desenvolve em torno das batalhas entre gladiadores e nas disputas políticas entre a alta elite de Cápua, cidade italiana onde a história acontece. A série culmina com a revolta de escravos liderada por Spartacus.
Blood and Sand mostra a relação de amor e idolatria que as lutas de gladiadores proporcionavam aos antigos romanos. E não eram somente as massas incultas que adoravam as lutas de gladiadores, pois a elite também se deleitava acompanhando os sangrentos combates. Na arena, escravos se tornavam celebridades apenas por seu desempenho em combate. Porém, raramente conseguiam a liberdade, pois não eram livres, pertenciam a um senhor, um lanista.
As lutas ocorriam atendendo a política do Circus Romanus, que as autoridades romanas sabiam exatamente para que servia: alienar as massas, dando-lhes uma distração capaz de tirar de suas cabeças toda e qualquer ideia de revolta contra o Império. Mas os dias do Circus não duraram muito tempo, pois foram proibidos quando o cristianismo, que pregava o amor ao próximo, tornou-se religião oficial do Império.
Hoje, a exemplo do que acontecia com os gladiadores da Roma Antiga que eram obrigados a lutar, no UFC, que é uma empresa particular que visa o lucro, os lutadores também têm seus direitos de exploração de imagem e do corpo pertencentes à empresa. Na verdade, o UFC é quem define contra quais lutadores seus funcionários (gladiadores) devem lutar.
No espetáculo estético e plástico proporcionado pelos UFCs, muito semelhantes aos do circo romano, não ocorrem ao acaso, atendem a uma crescente demanda de interesse popular pelos MMAs (Mixed Martial Arts ou Artes Marciais Combinadas). Igual ao que acontecia entre os antigos romanos.
Por tudo isso, o UFC se torna um esporte, se é que pode ser considerado um, anacrônico, ou seja, fora de seu tempo, pois já fora proibido até mesmo pelos cruéis bárbaros que invadiram o Império Romano, que viam nestas lutas, embates cruéis e desnecessários. Mesmo assim, o UFC reavive esses combates atendendo a uma demanda crescente de um voyeurismo passivo entre as grandes massas. Pessoas que preferem observar a vida alheia a viverem suas próprias vidas. Isso faz o UFC ser para o esporte aquilo que os que os reality shows são para a TV, ou seja, alienação vazia de conteúdo.
Portanto, se você gosta de luta de gladiadores, abandone os anacrônicos e alienantes UFCs e assista Spartacus: Blood and Sand, que, gostando ou não, ao menos está dentro do contexto histórico correto.

Marcos Faber
www.historialivre.com

quinta-feira, 29 de março de 2012

Quando as escolas agem como empresas

Para quem tem filhos em idade escolar, todo início de ano é a mesma coisa. Antes do fim das férias, inicia uma maratona que começa com a compra do material escolar, dos livros didáticos e termina com constatação de que a mensalidade da escola sofreu um aumento abusivo.

Para ilustrar vou contar uma breve história baseada em fatos reais, porém, os nomes citados são fictícios para evitar maiores constrangimentos.

Carlos, um amigo meu, contou-me que a escola de seu filho reajustou a mensalidade escolar em quase 25%. Indignado foi até a escola para reclamar. Na secretaria, a funcionária que o atendeu, solicitou que ele esperasse, pois iria repassá-lo para o “responsável”.

Carlos conta que quando questionou o “responsável” sobre o tamanho do aumento, este argumentou dizendo que o acréscimo correspondia a uma série de fatores, entre eles: os índices inflacionários, o aumento de salários dos professores, a reforma no ginásio da escola e mais uma série de coisas. Entretanto, gastos com obras de beneficiamento da escola e aumento de professores não devem ser repassados aos pais, pois são obrigações das escolas.

Após uma série de argumentações de ambos os lados, Carlos, decidiu que iria pesquisar os valores de outras escolas, pois não estava disposto a pagar o valor que a mensalidade passara a custar.

Atento a isso, o atendente afirmou que “pelo motivo de seu filho já estar conosco há alguns anos e pelo fato do senhor ter se mostrado um bom pagador, iremos lhe dar um abatimento na mensalidade. Com isso, o senhor ficará, nos próximos 6 meses, com a mensalidade antiga”. Carlos aceitou a proposta, e seu filho continua na escola.

O episódio contado acima, baseado em fatos reais, demonstra que muitas escolas se comportam como se fossem empresas. Negociam mensalidades com o propósito de reter clientes, da mesma forma como muitas empresas fazem. O comportamento destas escolas é o mesmo de empresas de cartão de crédito quando tentamos cancelar o cartão.

Escolas com esse comportamento tratam pais e alunos como se eles fossem clientes.

A situação piora quando os alunos entram no Ensino Médio. Pois nesta importante fase escolar, essas escolas investem num ensino voltado à aprovação no vestibular. E, devido a esses índices, realizam suas propagandas. Como se passar no vestibular fosse o que realmente importasse na formação de um jovem.

É por isso que as “escolas negócio” formam jovens que não respeitam as autoridades. Afinal, a primeira autoridade que conhecem, isto é, os professores, não são encarados como educadores e muito menos como autoridades, mas como prestadores de serviços e que, por esse motivo, não são merecedores do seu respeito.

Entretanto, o mais grave disso tudo é que muitos destes jovens estudantes possuem esse tipo de comportamento por estímulo dos próprios pais, que em muitas vezes, desautorizam as ordenanças dos educadores em nome do “bem estar dos filhos”. Sem compreenderem que os professores possuem a devida formação para tomarem as atitudes que tomas, pois possuem a devida capacitação para realizarem o seu trabalho. Pois a repreensão é parte da formação de um jovem.

O que estas escolas e esses pais parecem esquecer-se é o real significado de educação. Segundo o dicionário Aurélio, educação significa “...”. Já o dicionário Michaelis define educação como “Aperfeiçoamento das faculdades físicas intelectuais e morais do ser humano; disci­pli­na­mento, instrução, ensino. Processo pelo qual uma função se desenvolve e se aperfeiçoa pelo próprio exercício. Formação consciente das novas gerações segundo os ideais de cultura de cada povo. Civilidade. Delicadeza. Cortesia”.

Será que as “escolas negócio” estão preparando cidadãos de verdade? Ou estão apenas reproduzindo as técnicas empresariais de sucesso a qualquer custo que, ao que tudo indica, adotaram?

Portanto, reflita sobre que tipo de educação seu filho está recebendo e, claro, não perca a fé.

Marcos Faber
www.historialivre.com
marfaber@homail.com

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Persépolis de Marjane Satrapi e as Razões da Intolerância Religiosa


Nas férias assisti ao filme francês Persépolis (Persepolis, França, 2007), longa metragem de animação baseado na graphic novel de mesmo nome de Marjane Satrapi. O filme, assim como a HQ, é narrado na primeira pessoa e conta de forma autobiográfica a história da autora, uma iraniana de classe média que presenciou a Revolução Iraniana de 1979 e todos os seus desfechos, especialmente a derrubada do Xá Reza Pahlevi, um ditador apoiado pelo Ocidente, e a fundação da República Islâmica do Irã, que, por sua vez, era anti-Ocidente.

Na trama Marjane descreve todos os problemas enfrentados pelos membros de sua família após a tomada de poder pelos fundamentalistas islâmicos, a autora narra especialmente a perseguição que alguns de seus parentes, membros do partido comunista, sofreram, sendo presos, torturados e mortos.

Apesar dos dramas familiares, Marjane, que em 1979 era uma criança, cresce como uma adolescente normal. Pensa em meninos, escuta música (inclusive heavy metal) e sonha com o futuro. Entretanto, o início da Guerra Irã-Iraque obriga seus pais a enviá-la para à Áustria.

Na Europa, Marjane conhece um novo mundo. Experimenta álcool, drogas, sexo e a desilusão. Após um período de descobertas, alegrias e frustrações, a jovem retorna ao Irã. Em sua terra natal não existe mais guerra. Mas o Estado islâmico controla tudo. As mulheres são obrigadas a usar um véu sobre a cabeça e roupas que cobrem o corpo todo, apenas as mãos e o rosto podem ficar descobertos.

Apesar dos homens terem mais liberdade, inclusive para se vestirem, muitas outras coisas são proibidas: bebidas alcóolicas, maquiagem, pornografia, manifestações públicas e a chamada literatura ocidentalizada são consideradas ilegais, quem for pego portando alguma dessas coisas é preso. Não existe liberdade de pensamento. As proibições ocorrem em nome da Religião. Tudo acontece em nome da fé.

Em meio a tudo isso, Marjane não consegue entender que tipo de fé é essa que impede que as pessoas pensem por si mesmas. Afinal, que direitos as autoridades políticas tem para definir o que é bom ou ruim para os indivíduos. Para piorar, a maioria dos membros do governo ou dos órgãos de controle sequer possuem instrução adequada para exercerem suas funções.

Contudo, a intolerância religiosa demonstrada no filme (e na HQ) não se refere apenas à religião ou a fé, mas aos costumes. As autoridades iranianas acreditavam, como talvez ainda acreditem, que é obrigação da religião, e do Estado, estabelecer o que deve ou não ser celebrado, o que deve ou não ser lembrado e assim por diante, independente do que acreditem ou pensem os indivíduos. Para os seguidores dessa forma de pensar a fé não é uma escolha, mas uma imposição.

Curiosamente, mesmo em nossos dias, algumas lideranças religiosas ainda pensam assim. Acreditam serem os donos da verdade e, que por esse motivo, todos devem lhes ouvir e seguir. Se fossem eleitos para governar nosso país iriam impor sua crença e condenar todos os que pensassem diferente deles, igualmente ao caso dos iranianos. Pessoas assim não se preocupam com a liberdade de escolha dos outros, pois não acreditam em livre arbítrio.

Esse é o grande problema de uma fé irracional, ou seja, sem fundamentos, sem raízes. Uma fé que se baseia apenas em interpretações pessoais sobre o que é certo ou errado. Uma fé que não possui profundidade, que não segue a um ou mais livros sagrados, mas é baseado em “revelações” ou em interpretações que um “profeta” fez sobre fragmentos de um livro sagrado – isso quando o tal livro foi consultado, o que nem sempre acontece. É por isso que agem de forma tão mesquinha e autoritária, pois não sabem como lidar com as diferenças e muito menos com as críticas. Assim sendo, a oposição torna-se perigosa, pois pode desmascaram a ignorância dessas autoridades religiosas.

Por tudo isso, Marjane não se enquadrava mais na sociedade iraniana, pois já havia conhecido um mundo onde as fronteiras geográficas e ideológicas já haviam ultrapassado em muito as do Irã.

Ler ou assistir Persépolis é sem dúvida uma fonte indispensável para conhecermos um pouco mais sobre o Irã, uma das nações mais auto isoladas do mundo, e também para refletirmos sobre nossa forma de ver e entender os outros, principalmente quando pensam diferentes de nós.

Marcos Faber
www.historialivre.com
marfaber@homail.com