Dias atrás participei de um debate sobre as relações de poder em sala de aula. Das diversas temáticas a serem discutidas, fiquei encarregado de liderar uma mesa de debates sobre as diferentes formas de busca pelo conhecimento e a sua influência nas relações de poder em sala de aula.
Cada um dos grupos, participantes do evento, recebeu um pequeno texto que deveria orientar as discussões. Meu grupo recebeu o texto “Uma Brincadeira do Mestre”, texto extraído do livro “101 Cuentos Clásicos de la Índia” organizado por Ramiro Calle. Texto, muito interessante, que norteou minha fala naquela noite. Mas meu objetivo aqui não é reproduzir o debate, mas compartilhar as conclusões a que chegamos ao fim daquela noite.
O texto trabalhado, “Uma Brincadeira de Mestre”, narrada a história de um ancião indiano que, procurado por um grupo de aldeões, é convidado a dividir seus conhecimentos com os moradores da aldeia vizinha.
Convite aceito, o mestre perguntou aos aldeões se eles sabiam o que ele estava por lhes ensinar. Como a resposta foi negativa, o mestre lhes disse: “Nesse caso, não vou lhes ensinar nada. Sois tão ignorantes que nada que eu possa lhes ensinar vai valer a pena. Enquanto não souberdes de que vou lhes falar, não vos dirigirei a palavra”. Dito isto, os aldeões se retiraram da presença do ancião.
Passados alguns dias, os aldeões procuraram novamente o mestre. Quando este lhes perguntou novamente se sabiam o que lhes seria ensinado, responderam positivamente. O ancião, então, respondeu: “Sendo assim, não tenho nada para dizer-lhes, porque já sabem. Que passem uma boa noite, amigos”. Novamente os aldeões saíram da presença do mestre confusos e frustrados.
Passados mais alguns dias, os aldeões voltaram a procurar o velho mestre. Mas, quando foram perguntados se sabiam o que lhes seria ensinado, responderam: “Uns sabem do que o senhor nos ensinará, mas outros nada sabem”. O homem santo os olhou e respondeu: “Em tal caso, que os que sabem transmitam seu conhecimento aos que não sabem” e se retirou.
Em primeiro lugar é importante entendermos que a cultura oriental é muito diferente da cultura ocidental, da qual fazemos parte. Para nós é mais difícil entender a história do mestre indiano, pois aos nossos olhos o ancião estava sendo muito grosseiro com os aldeões ao não compartilhar com eles sua sabedoria. No debate do qual participei, ouvi, de alguns professores, que o mestre era na verdade um charlatão, outros afirmaram que ele era soberbo. Mas não é bem assim. Pois, segundo a tradição oriental (hindu e budista), o conhecimento está dentro de nós mesmos, antes de obtermos o conhecimento externo, necessitamos nos conhecer. Para os orientais, sem o autoconhecimento não temos como conhecer o restante. Portanto, o mestre da história, não estava exatamente se negando a compartilhar seu conhecimento, ele estava apontando o caminho, ou seja, para ele o conhecimento estava dentro de cada um dos aldeões, portanto, estes deveriam tratar de procurá-lo.
Porém, ao contrário dos orientais, para nós, ocidentais, o conhecimento não está dentro de cada um de nós, mas em algumas pessoas que, por sua vez, tem por missão esclarecer seus conhecimentos a todos os outros. Por esse motivo, médicos evitam compartilhar com outras pessoas suas descobertas, pois se todos souberem o que eles sabem, a classe médica perderia sua função na sociedade.
Mas isto não é exclusividade da classe médica, pois advogados, engenheiros e tantos outros, acreditam que se compartilharem seus conhecimentos perderão o “ar sagrado” que suas profissões lhes conferem.
E, o mesmo ocorre com muitos de nós, professores. Pois, a maioria de nós acredita que somos os detentores do conhecimento e que nossos alunos (vazios de saber) devem buscar nos professores o conhecimento. Ao pensarem assim, esses professores, geralmente não levam em consideração a vivencia e os saberes que seus alunos possuem. Por isso, se os alunos não se enquadrarem naquilo que o professor acredita ser o correto, não terão futuro em sua disciplina.
Por outro lado, o outro extremo também é perigoso, como o citado na história do mestre indiano, onde o professor acredita que o conhecimento está simplesmente no aluno.
Ao meu ver, as duas versões para a busca pelo conhecimento estão equivocadas. No meu entendimento, o conhecimento não está somente na vivencia do ser humano, mas também não está somente no professor, ou no médico, ou no advogado. O conhecimento, e as teorias de Jean Piaget e Paulo Freire estão fundamentadas nisto, está na interação entre o individuo, o professor e o meio onde estão inseridos. Portanto, o conhecimento é uma interação e uma construção onde todos têm a sua parte na construção do saber.
E, nos dias de hoje, onde as tecnologias transformam os saberes de forma acelerada, torna-se necessário ainda mais a interação entre o professor e o aluno. Pois muitos professores por desconhecerem as novas linguagens tecnológicas tratam de evitá-las, ou pior, proibi-las. Pois assim, não se submetem ao conhecimento do aluno. E, por isso, para muitos professores a tecnologia é perigosa e desencorajada.
Segundo Don Tapscott, especialista em tecnologias da informação, vivemos, hoje, um momento tecnologicamente irreversível onde o conhecimento não é mais gerado de um para muitos (como ocorre com o médico, detentor do conhecimento, que trata de muitos pacientes). Para ele, a internet possibilita a difusão de informações e conhecimentos de uma pessoa para outra e de muitas pessoas para muitas outras. A sociedade de massa (segundo Tapscott ultrapassada), onde uma pessoa era detentora do conhecimento e somente divulgava partes de seu saber (caso de médicos, advogados e outras tantas profissões, inclusive, professores) está com os dias contatos. Pois o conhecimento está cada vez mais disponível a todos.
Por tudo isso, torna-se necessário que os professores estejam devidamente preparados. Para assim, se tornem em orientadores dos caminhos ao conhecimento adequado, já que na web ainda existe muita informação duvidosa ou falsa. Com isso, o papel do professor passa a ser o de ensinar aos alunos como discernir o que é certo do que é errado, tornando cada vez mais necessária a formação ética e cidadã dos alunos.
Portanto, professores, atualizem-se e não percam a fé.
Marcos Faber
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