sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

BREVÍSSIMA RESENHA DE “A ELITE DO ATRASO” DE JESSÉ SOUZA

 


BREVÍSSIMA RESENHA DE “A ELITE DO ATRASO” DE JESSÉ SOUZA


“Quem controla a produção de ideias dominantes controla o mundo”. Por isso, “as ideias dominantes são sempre produto das elites” (página 25).


Desta forma, quem está no poder econômico precisa “Se apropriar da produção de ideias [pois assim pode] interpretar e justificar tudo o que acontece no mundo de acordo com seus [próprios] interesses” (página 25).

Estas são citações selecionadas do professor Jessé Souza e fazem parte da obra “A Elite do Atraso”, livro publicado originalmente em 2017 (e atualizado em 2019 – edição que inclui o pós-eleição de Bolsonaro).

Na obra, o autor faz uma dura crítica à construção da imagem negativa que o brasileiro tem de si mesmo, apontando quais são os reflexos desta autoimagem na formação social do Brasil atual.

Por esse motivo, Jessé Souza critica duramente as teses defendidas por autores como Gilberto Freyre, o responsável pela obra “Casa-Grande & Senzala”, Sérgio Buarque de Holanda, e seu “Raízes do Brasil”, e Raymundo Faoro, que escreveu “Os Donos do Poder”, esses pesquisadores foram, segundo Jessé, os responsáveis por moldar as noções de civilidade e humanidade em nosso país.

Pois, as interpretações destes autores clássicos criaram uma imagem do brasileiro como um ser inferior, principalmente, se comparado ao europeu e ao norte-americano. Esta ideia de inferioridade, por sua vez, nos fez (e ainda faz) aceitar o domínio cultural, político e econômico que estes povos exercem sobre nós, e que ainda, para piorar, nos tornam dependentes deste mesmo domínio.

Pois para o autor de “A Elite do Atraso”, as ideias descritas nestas obras.... forjou a imagem do “brasileiro” para nós mesmos como um ser “dócil” e “cordial”, como uma espécie de “bom malandro” – percepção, aliás, que pouco a pouco foi aperfeiçoada no “jeitinho brasileiro” – notoriamente uma imagem associada à malandragem e à corrupção.

Grande crítico da ideia do brasileiro como o “homem emotivo” e “cordial” e, principalmente, das teses de Raymundo Faoro, amplamente difundidas (inclusive) nos meios acadêmicos sobre o “Estado patrimonialista”... Jessé Souza afirma que as ideias defendidas por esses autores foram responsáveis por construírem “a ideia do brasileiro como [o] vira-latas da História, sendo a imagem invertida no espelho do protestantismo americano [este sim] transformado em herói” (ver páginas 30-32).

Desta forma, nós – brasileiros – seríamos aqueles que não sabem governar... não sabendo o que é bom para o próprio país... Por esse motivo, acabamos Aceitando bem a premissa de que precisamos ser “dominados” e “controlados”.

Mas, claro, por sua vez, as elites nacionais ... que segundo elas mesmas, descendem de europeus (não por acaso trata-se de uma elite branca e rica)... não se considera parte do povo (que por eles é) inferiorizado... por isso, acreditam serem os únicos capazes de governar... Desta forma toda vez que sentem seu poder ameaçado... saem à caça de seus opositores – pois toda oposição ao modelo defendido por esta elite é formada, segundo eles, por corruptos - basta ver o que aconteceu com todos os presidentes que tentaram ampliar o acesso à renda e à educação, ou seja, que tentaram diminuir os “ganhos” e privilégios desta elite.

É como se as elites nacionais fossem os colonizadores e exploradores do próprio povo (já que, claro, não se enxergam como parte deste povo). Por isso, precisam que a grande massa da população se sinta inferiorizada e incapaz de se autogovernar.

Para convencer a maior parte da população de que ela é SIM inferior... é preciso construir e difundir a ideia de que somos um povo imcapaz... De acordo com essas ideias, nós seríamos “inferiores não só intelectualmente, mas, tão ou mais importante, também [seríamos] inferiores moralmente. [Por isso,] é melhor entregar nossas riquezas a quem sabe melhor utilizá-las, já que os outros são honestos de berço, enquanto nós [o povo brasileiro] seríamos corruptos de berço” (página 23-24).

Outra questão de extrema importância na obra é a desconstrução da ideia de que o Brasil é um país tolerante e livre do racismo.

Pois para o autor, as raízes de uma sociedade escravocrata ainda estão presentes no DNA que forma a mentalidade das elites nacionais. Pois estas elites, enxergam todos aqueles que estão abaixo dela como uma espécie de sub-gente... como não iguais... pois entendem a sociedade brasileira como uma sociedade formada por senhores e escravos – proprietários e despossuídos.

“A colonização da elite brasileira mais mesquinha sobre toda a população só foi e é ainda possível pelo uso, contra a própria população indefesa, de um racismo travestido em culturalismo que possibilita a legitimação para todo ataque contra qualquer governo popular” (página 24).

Para o autor, todo racismo, inclusive o culturalismo racista dominante no mundo inteiro, precisa escravizar o oprimido no seu espírito e não apenas no seu corpo “Colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso” (página 24).

E é ai, segundo ele, que entram os intelectuais modernos (que amparados nas teorias “selecionadas” de autores clássicos como Freire, Sérgio Buarque e Faoro) “esclarecem” para a grade massa “o mundo como ele é”, mas que na verdade servem para “retirar das pessoas toda compreensão e toda a defesa possível” (página 24).

Entretanto, claro, esses intelectuais modernos (e midiáticos) são reprodutores (espécie de porta vozes) dos interesses das elites das quais eles mesmos fazem parte.

Mesmo assim, a dominação (exercida pelas elites nacionais) precisa de legitimação científica. Afinal, “é a ciência hoje, mais que a religião, quem decide o que é verdadeiro ou falso no mundo” (página 25). Por esse motivo, toda a informação gerada pelos jornais e telejornais procuram legitimar seu discurso (presente em suas “reportagens”) em “especialistas” (ou então em trechos selecionados de documentos) desde que, claro, colaborem com suas opiniões. Pois assim, não podem ser confrontados por nenhuma outra opinião que possa contradizê-los.

 Ficou curioso... pois este é só um breve esboço do que é apresentado em ”A Elite do Atraso”, pois na obra, Jessé Souza aprofunda todas essas discussões, sempre utilizando de uma linguagem bastante clara e direta, “A Elite do Atraso” é um livro – que não se propõe somente ao meio acadêmico – mas, principalmente, foi escrito para ser lido por qualquer pessoa interessada em compreender as origem do desenvolvimento (ou seria subdesenvolvimento) social, cultural e econômico de nosso país.

Talvez por esse motivo, “A Elite do Atraso” tenha se tornado um grande best-seller nacional, gerado uma continuação “A Classe Média no Espelho”, onde, desta vez, o autor foca suas atenções nas classes médias nacionais.