quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Quem é o deus de Bolsonaro?

 



QUEM É O DEUS DE BOLSONARO?

 

Neil Gaiman, famoso criador da graphic novel Sandman (que recentemente foi adaptada para as telinhas, pela Netflix), também é o autor do aclamado livro “Deuses Americanos” (American Gods, que no Brasil foi publicado pela editora Intrínseca) curiosamente “Deuses Americanos” também foi adaptada para série de TV pelo Amazon Prime.

Na obra, o autor cria uma rica história fundamentada numa miscelânia de diversas mitologias religiosas. Dos povos babilônicos da Antiguidade até os modernos deuses da “tecnologia” do mundo atual.

Em “Deuses Americanos”, cada povo que migrou para a América trouxe na “bagagem” o seu culto religioso, carregando consigo também uma versão da divindade cultuada. Porém, o “deus original” ficou na sua região natal, o que veio para a América, foi uma espécie de cópia xerox dele. Desta forma, a divindade precisou se adaptar a diferente realidade da nova terra. Entretanto, ele gradualmente passou a assumir valores de seu cultuador e também da região onde se estabeleceu, ocorrendo uma espécie de sincretismo religioso.

Com isso, na América, passou a existir várias versões do mesmo deus – cada grupo de migrantes tendo trazido consigo a sua própria versão da divindade cultuada. Por exemplo, na série da Amazon, existe um momento em que os protagonistas chegam a um lugar onde há várias versões diferentes de Jesus Cristo, uma para cada denominação do cristianismo. Os protagonistas confusos, se deparam com uma versão sofredora de Jesus representada por aquelas que assim o entendem, como é o caso de parte dos católicos ou dos cristãos filipinos. Mas também se encontraram com versões alegres e radiantes de Cristo. Assim, como outras versões latinas, negras e de diferentes matizes caucasianas do Salvador.

Mas que fique claro, na obra, nenhuma daquelas versões é realmente Cristo, mas versões criadas por cada um dos diferentes cultos que adoram o Messias cristão e, claro, adaptadas a nova pátria em que estão inseridos.

A importância desta abordagem, é que Gaiman nos faz refletir... Pois será que quando alguém fala de sua fé e do deus ao qual serve... Ele está falando da verdadeira divindade? Ou de uma versão adaptada de acordo com a sua própria “interpretação” desse deus e de como ele deve se comportar?

...

Gaiman me fez lembrar de uma história... não sei se é uma história real (sabe como são essas “histórias” da internet), mas que tem muito a ver com o que aparece em “Deuses Americanos”:

Essa história diz que quando Ronald Reagan era o presidente dos Estados Unidos (lá nos anos 80), ele mandou pendurar um quadro de John Wayne segurando um colt peacemaker na mão direita, ao fundo, índios caídos mortos. Segundo essa história (que rola pela internet), sempre que precisava tomar uma decisão importante, Reagan parava alguns minutos de frente para a pintura.

Lembre-se, ou caso não saiba, antes de ser presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan teve uma extensa carreira de ator tendo protagonizado muitos westerns.

Será que Wayne era como um deus para Ronald Reagan? Acredito que não, mas a adoração e o culto comprovadamente existiam. Mesmo que essa história possa não ser real, é conhecido que o ex-presidente americano era um grande e fervoroso admirador de John Wayne.

O culto de Reagan... me faz pensar sobre a relação religiosa de Jair Bolsonaro. Afinal, quem é o deus que Bolsonaro diz cultuar?

Afinal, Bolsonaro consegue num mesmo pronunciamento se dizer um protetor da família e ofender pessoas. Fala em “Deus, pátria e família” e ironiza as pessoas vítimas do Covid-19, imitando uma pessoa sufocando por falta de respiradores. Consegue defender o uso de armas de fogo e da pena de morte, mas ser contra o aborto ou pouco se importar para o aumento no número de feminicídios, que, em sua maioria, ocorrem com o marido assassinando a própria esposa.

Da mesma forma, o presidente criminaliza movimentos sociais (como MST, Sindicatos e ONGs), acrescentando a isso que o governante ainda espalha fake News sobre minorias. Atitudes que em nada combinam como ele se afirmar como cristão, uma religião fundamentada no perdão e no amor ao próximo. Que cristianismo é esse que Bolsonaro diz seguir?

Será que ele crê num deus castigador e vingativo, como aquele cowboy representado por John Wayne e os cadáveres de índios caídos no chão (lá da parede de Reagan)?

Será que o deus de Bolsonaro é, como aqueles de “Deuses Americanos”, isto é, uma cópia imperfeita da real divindade.

Não duvido da fé de Bolsonaro!

Mas questiono, quem é o deus que ele diz seguir!

Me parece, que na “interpretação” bolsonarista, deus usa uma arma na cintura (assim como no quadro que Reagan tinha na parede). 

Segundo as próprias palavras e ações de Bolsonaro, podemos concluir que o deus que ele cultua e a fé que ele tem, não se fundamentam no amor ao próximo (como prega a mensagem cristã). Na verdade, a divindade dele parece ser uma criatura raivosa e vingativa... e que, com toda certeza, não é o mesmo Deus descrito na Bíblia.

Lembre-se disso em 02 de outubro, o dia da eleição.

 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

"Che" de Héctor Germán Oesterheld e Alberto e Enrique Breccia



CHE DE HÉCTOR GERMÁN OESTERHELD e ALBERTO e ENRIQUE BRECCIA

“Che” é uma História em Quadrinhos - uma historieta, como dizem os argentinos – La Vida del Che foi originalmente publicada em 1968 com texto de Héctor Oesterheld e arte de Alberto e Enrique Breccia.

A HQ é uma daquelas obras cuja importância ultrapassa as barreiras do mundo especializado dos quadrinhos. E os motivos para isso são vários, a começar pelos artistas envolvidos na obra: Héctor Oesterheld, simplesmente um dos mais importantes (provavelmente o mais importante) roteirista de quadrinhos latino-americanos, cujas obras posso destacar “O Eternauta”, “Sherlock Time”, “Ernie Paick” e “Mort Cinder”, HQs que estão entre as mais importantes produzidas em nosso continente, e que alcançaram grande reconhecimento em todo o mundo, principalmente na Europa.

Se isso já não bastasse, Oesterheld foi, em primeiro lugar, um ativista político. Um grande crítico da sangrenta ditadura que se impôs na Argentina nos anos 1970. Ditadura, aliás, que, no auge de sua intolerância e brutalidade, perseguia e calava seus opositores. Infelizmente com Oesterheld não foi diferente, pois o autor foi “desaparecido”, em 1977, pelo regime autoritário de seu país. Héctor é um dos tantos intelectuais que a ditadura argentina deu cabo. Encerrando precocemente a carreira deste excepcional autor.

Já quanto aos artistas Alberto Breccia e seu filho Enrique, estão entre os mais fantásticos artistas gráficos a emprestarem seus talentos aos quadrinhos, a melhor maneira de apresentá-los é sua própria obra.

Basta um folhada em “Che” para perceber que o que temos em mãos é algo bastante acima do que usualmente encontramos em quadrinhos convencionais.

 

Mas afinal, por que ler “Che”?

 

“Che” é uma obra focada num dos mais polêmicos e importantes personagens da História latino-americana: Ernesto Che Guevara. Ame-o ou odeie-o a realidade é que muitos dos seus seguidores e detratores pouco sabem sobre a vida ou o pensamento de Che Guevara.

A obra, obviamente toma partido das causas latino-americanas defendidas pelo protagonista, entretanto, não nos apresenta simplesmente para mais uma biografia de Che, mas para uma obra muito mais intimista, focada no pensamento guevarista, para a forma como o guerrilheiro enxergava o mundo a sua volta. Mesmo que a HQ não se aprofunde nas ideias do protagonista, ainda assim, o quadrinho nos apresenta, mesmo que parcialmente, a sua visão de mundo.

A começar pela forma como Guevara entendia a origem das misérias da América Latina. Para Che uma revolução não só era necessária, mas também passava, obviamente, pela libertação do domínio europeu e norte-americano. Apesar de focar na libertação coletiva, Guevara pensava também na libertação individual, principalmente para a forma como os mais pobres poderiam alforriar-se da miséria e da opressão a que estavam submetidos.

Para ele, a verdadeira libertação só poderia ser alcançada por meio da educação... Somente com uma tomada de consciência a respeito de quem somos e para onde desejamos ir é que alcançaremos a verdadeira liberdade.

Curiosamente, a grande dificuldade de Che, principalmente em sua campanha na Bolívia, foi a falta de consciência, não só uma falta de consciência de classe, mas uma falta de consciência de quem se é. Os camponeses com os quais Guevara se relacionou, estavam tão acostumados a miséria de suas existências que sequer conseguiam imaginar um mundo diferente daquele aos quais estavam inseridos.

Para piorar, não eram somente os camponeses que sofriam com a falta de entendimento de seus papeis no mundo, afinal muitos dos companheiros de armas de Che também padeciam deste mal.

Eduardo Galeano, em seu “Dias de Noites de Amor e de Guerra”, afirma que “Havia, entre os guerrilheiros, uns quantos índios. E eram índios quase todos os soldados inimigos. O exército os caçava na saída das festas e quando acordavam da bebedeira já tinham uniforme e arma na mão. Assim marchavam para as montanhas, matar quem morria por eles” (Porto Alegre: L&PM, 2001, página 14).

Essa era a luta que se espalhava por toda a América Latina das décadas de 50 e 60... uma luta que ultrapassa o uso do fuzil. A verdadeira LUTA deveria ser travada em todo o mundo... Uma guerra pela consciência... para libertar e abrir os olhos... e ampliar a percepção sobre o mundo em que nós, os principalmente os latino-americano, estamos inseridos...

E Ao contrário do que muitos podem pensar... Che Guevara foi muito mais do um simples guerrilheiro, O revolucionário argentino era dono de ideias próprias aos quais tentava aplicar a sua vida na diária.

Delas destaca-se a ideia do HOMEM NOVO, um conceito “guevarista” que se repete na obra de Oesterheld. UM conceito que não nasceu com Che, mas foi particularmente importante em sua formação intelectual.

Para Guevara, uma revolução somente seria completa se ela fosse capaz de criar o HOMEM NOVO, isto é, uma transformação social somente seria possível a partir de uma transformação profunda das estruturas mentais dos indivíduos. A Revolução começava dentro de cada um. Pois enquanto os seres humanos estiverem dominados por uma mentalidade aburguesada e individualista (focada no consumo), a sociedade não teria como ser transformada, era necessário que os indivíduos passassem a pensar de forma coletiva.

Para Che Guevara a transformação social somente ocorreria quando os homens fossem transformados, e a educação era a principal forma desta transformação ocorrer. Para tanto, não somente a educação escolar ou acadêmica seria o meio, mas era necessária TAMBÉM uma sociedade educadora, uma sociedade transformadora.

Apesar deste conceito não ser esmiuçado pela obra de Oesterheld e Breccia, constantemente ela aparece nas reflexões do protagonista. Sua presença é uma constante em toda a HQ.

“Che” é uma daquelas obras que fundem personagem/criador/e/arte. Formando um amálgama entre os diários de Che Guevara, o texto de Oesterheld e a incrível arte dos Breccia, algo que dá como resultado numa HQ única e impressionante.

E se os autores e o protagonistas possuem seus mitos... A obra “Che” também possui uma história própria. Quando um Golpe de Estado, levou a Argentina a uma nova e sangrenta ditadura, o quadrinho foi proibido no país, todos os originais foram destruídos... por quase 20 anos o quadrinho foi esquecido... até ser redescoberto na Espanha, na biblioteca de um colecionador. Foi assim que “La Vida del Che” pôde ser republicada.

Foi essa a versão que em 2008 a Editora Conrad lançou pela primeira vez no Brasil, desde então a HQ estava fora de catálogo ... só agora, com a COMIX ZONE, uma editora independente, dos sócios Thiago Ferreira e Ferréz (ambos com canais por aqui no YouTube), que o quadrinho pôde ser Relançado... vou deixar o link desta edição aqui na descrição.

 “Che” representa muito mais do que um simples quadrinho... “Che” nos apresenta uma condensação de talentos pouco antes vista. Da história do personagem à arte... tudo é inspirador. Tudo inspira... Se você possui preconceitos com quadrinhos, bom... ‘Che” é para você... Mas prepare-se, pois após ler esta HQ, outros quadrinhos certamente virão...

 

EU SOU MARCOS FABER

E VOCÊ ESTEVE CONECTADO AO HISTÓRIA LIVRE

EM BREVE NOVAS REFLEXÕES SOBRE O IRREFLEXÍVEL.