quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Clube dos Cinco de John Hughes e as Auto Escolas no Brasil


Lembro, no início de minha adolescência, no final dos anos 80, de ter assistido a dois filmes que muito me marcaram, Vidas Sem Rumo (The Outsiders, EUA, 1983) de Francis Ford Coppola e Clube dos Cinco (The Breakfast Club, EUA, 1985) de John Hughes. Hoje dois cult movies. Ambos tratavam dos dilemas e dificuldades que a geração dos anos 80 enfrentava.

No primeiro filme, os adolescentes eram pobres moradores da periferia de Tulsa, Oklahoma. O elenco reunia jovens atores que se tornariam grandes estrelas de Hollywood: C. Thomal Howell, Ralph Macchio, Matt Dillon, Rob Lowe, Emílio Esteves, Tom Cruise, Patrick Swayze, entre outros. Já o segundo filme, tratava das diferenças entre cinco jovens de grupos e classes sociais distintas: uma patricinha (Molly “Garota de Rosa Shocking” Ringwald), uma atleta (Emílio Esteves), um nerd (Anthony Michael Hall), um criminoso (Judd Nelson) e uma esquisita (Ally Sheedy). Até hoje ainda guardo com carinho a lembrança desses dois filmes.

Dia desses (15 de julho) li no jornal que o Clube dos Cinco seria encenado no teatro Bruno Kiefer (Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre) com a direção de Bob Bahlis. E lá fui, eu e Fernanda, para a estreia. Confesso que devido às minhas lembranças, criei muitas expectativas sobre a peça. Mas mesmo assim, tinha consciência de que a história, ambientada nos anos 1980, poderia estar desatualizada. Ledo engano, a trama está mais atual do que nunca.

Clube dos Cinco se passa em uma única tarde de sábado, onde 5 jovens que estão presos na escola, cumprindo detenção por algo de errado que fizeram, precisam em 8h e 56 minutos, compor uma redação onde descrevam quem eles realmente são. Enredo simples? Sim, mas o mérito do filme (e da peça) não está ai, e sim nos conflitos que permeiam as vidas daqueles jovens.  

Enquanto analisava o Clube dos Cinco, lembrei-me da luta que minha esposa travou para tirar a carteira de motorista. Foram quatro tentativas frustradas e um sem número de aulas práticas. Lembro que ela pensou em desistir várias vezes, mas persistiu. Mulher de fibra!

Um dos vários instrutores que ele teve, chegou aconselhá-la a desistir. Ela voltou para casa aos prantos. No dia seguinte estava revoltada, foi a até a auto escola, protocolou uma queixa contra o instrutor e marcou novas aulas. Algumas semanas depois estava com a carteira de motorista em mãos.

Confesso que no início ela dirigia muito mal. Eu ficava muito nervoso de andar na carona dela. Chegava a ter medo, literalmente me segurava no banco. Mas o tempo passou e hoje ela dirige muito bem. Aprendeu na prática!

E é exatamente nisso que as lições do Clube dos Cinco se tornam tão atuais. Pois, a maioria dos jovens que não se enquadram dentro das exigências da escola ou dos professores, enfrenta muita dificuldade em sua carreira estudantil. Pois, muitos deles são rotulados como “aluno problema”, “brigão”, “patricinha”, “limitado”, “preguiçoso intelectual” e outros adjetivos, alguns impublicáveis, quando na maioria das vezes apenas expressam suas individualidades. Não estou aqui defendendo a “falta de educação” ou o “tudo pode”. Ao contrário disso, apenas acredito que a escola não pode ser um “fim em si mesma”, mas uma etapa na vida desses adolescentes.

Não é papel da escola, ou dos professores, rotular e definir quem os alunos são, mas o próprio tempo e o amadurecimento intelectual deles é que dirá quem eles se tornarão. O papel dos professores e da escola não deve ser de defini-los, mas de apontar o caminho, para que eles se descubram sozinhos. Por isso, como aconteceu com a Fernanda, que somente aprendeu a dirigir na prática, eles aprenderão com a vida, ou seja, aprenderão na prática também.

E o filme, e a peça, demonstram muito bem essa dicotomia entre aqueles que “enxergam de fora” e os jovens propriamente ditos.

Fica a dica, vá ao teatro e, principalmente, não perca a fé.

Marcos Faber

terça-feira, 14 de junho de 2011

Tartufo de Molière e o complexo de Superman



Domingo (05 de junho) eu e Fernanda, minha esposa, fomos assistir à peça Tartufo, de Molière (1622-1673), encenado pelo Grupo Farsa de Porto Alegre. Pela primeira vez fomos ao Teatro de Câmara (Túlio Piva). A peça, uma excelente adaptação atualizada aos nossos dias, é a segunda parte da trilogia “As Três Batidas de Molière” das quais O Avarento, também excelente, foi a primeira.
Tartufo nos conta a história de Orgon, um abastado aristocrata francês e sua família, que têm a união ameaçada pela interferência do personagem título. Este último, um falso líder religioso, faz uso da fé de Orgon em seu benefício, lhe tirando tudo o que consegue alegando ajudar aos necessitados. As maquinações de Tartufo cegam seu benfeitor ao ponto de Orgon lhe destinar todos os bens que possui. A família do aristocrata, desesperada com a devoção do patriarca pelo falsário, tenta de todas as formas revelar a verdadeira face do enganador. Mas Tartufo sempre consegue reverter as situações em benefício próprio, ganhando cada vez mais a simpatia de Orgon. O patife somente é desmascarado quando Elmira, esposa do beato, seduz o farsante. Ao cair na armadilha, a verdadeira face de Tartufo é revelada. E Orgon, desiludido, expulsa Tartufo de sua casa. É a redenção da família com Orgon.
Quando estreou em Paris em 1664, Tartufo era uma severa crítica ao poder que a Igreja Católica tinha sobre a sociedade francesa do século XVII. Por esse motivo, a peça chegou a ser censurada por um breve tempo. Mas, a crítica presente em Tartufo, ainda é válida hoje, sobreviveu aos tempos, chegando vívida aos nossos dias. Pois, muitos ainda vivem de explorar a fé alheia, não somente por meio de seitas sem escrúpulos, mas por todo tipo de “profetas” e “gurus” da autoajuda e, também, por aqueles que prometem soluções mágicas, seja pelo emagrecimento acelerado ou por um rejuvenescimento por meio cirúrgico.
Enquanto saía do teatro, lembrei-me da música “Superman” da banda de hard rock Fruto Sagrado. “Tenho visto tanta coisa errada nesta estrada / Muito falso herói se achando o tal / Iludido com aplausos, elogios... com o pedestal / Até eu já vacilei, dei bobeira, viajei / Esqueci que levo tombo como qualquer um / Esqueci que levo tombo, esqueci que sou normal / Alguém aqui é normal?”. E, no refrão, prossegue “Eu sou diferente, igual a todo mundo / Sem Você eu não sou ninguém / Eu sou igual a todo mundo / Não existe superman”. Não somos autosuficientes e muito menos devemos seguir somente a homens.
E o grande mérito de Tartufo está exatamente aí, pois Molière, e o grupo Farsa, nos lembram de que não podemos depositar nossa fé devocional em homens. Afinal, homens falham, são gananciosos e corrompem-se. Por isso, precisamos entender a diferença entre fé e religião. Religião é uma construção humana, é feita por seres humanos. Vem do latim “religio” e quer dizer religar-se. Portanto, religião é uma busca.
Já a fé vai além. Fé é o caminho que nos conduz àquilo que nossos olhos não podem ver. A fé é muito mais do que religião, desde que, claro, seja depositada em Deus. “Agora eu tô sabendo / Que o sofrimento é um megafone / É Deus pra mim gritando que eu não sou super-homem / Que eu sou de carne e osso que eu vou passar sufoco / Agora eu não esquento não vou esconder meu choro / Afinal eu sou um cara comum / Que também leva tombo como qualquer um / Que tropeça, levanta mas não sai da dança / Tropeça, levanta e não sai da dança”. Uma pessoa de fé é insistente, não desiste e sabe que é falha. Afinal, não existem supermans.
Assim, se a religião é uma busca, a fé é uma certeza.
Em dias escuros como os nossos, em que seguimos – via twitter, facebook, orkut e outros – comediantes, pornostars, jogadores de futebol, músicos e uma série de celebridades que não nos acrescentam nada, não seria o monento de abandonarmos todos esses tartufos para seguirmos alguém que valha a pena?
Fica a dica, vá ao teatro, e, principalmente, não perca a fé.
Marcos Faber