terça-feira, 30 de novembro de 2010

Reds, Revolução Russa e SC Internacional


Este final de semana, assisti novamente o filme Reds (EUA, 1981) de Warren Beatty. Quem não viu, precisa ver. O filme não é somente uma aula de história, mas também de cinema – concorreu a 12 Oscar (venceu 3, incluindo melhor diretor a Beatty). O roteiro e a fotografia são fantásticos. Diane Keaton e Jack Nicolson estão impagáveis.

Reds conta a história de John Reed (Warren Beatty) jornalista e ativista socialista norte-americano que realizou a cobertura da I Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Russa de 1917. O nome do filme é uma referência ao sobrenome do protagonista, mas também uma referência aos comunistas “vermelhos”.

Foi John Reed quem escreveu um dos mais importantes relatos sobre a Revolução Russa, seu livro Dez Dias que Abalaram o Mundo virou best seller assim que lançado e é até hoje referência sobre o período.

Reed (1887-1920) era fruto de sua época.

O final do século XIX e o início do século XX foram prodigiosos no surgimento de ideologias que defendiam a transformação do mundo. Foi esta a Era em que surgiram os primeiros movimentos internacionalistas que defendiam a quebra de antigos paradigmas e que pregavam o fim das barreiras nacionais, afinal o gênero humano é somente um.

Mas, contraditoriamente, esta também foi a Era que propagou a intolerância racial – se colonizava com justificativas racistas, utilizando-se até a ciência para isso – e foi, igualmente, a Era das duas grandes Guerras Mundiais.

Uma das tantas ideologias nascidas no período foi o movimento internacionalista. Os defensores destes ideais acreditavam que as barreiras nacionais deveriam deixar de existir e que todos os seres humanos eram iguais. O movimento internacionalista teve grande penetração em partidos e associações socialistas e anarquistas. Mas não somente nestes lugares.

Foi neste mesmo contexto que, em 1909, foi fundado em Porto Alegre um clube esportivo que tinha por objetivo principal congregar pessoas independentemente de sua cor, crença ou nacionalidade. O SC Internacional nasceu, como sugere o nome, como um clube internacionalista, ou seja, que enxergava um mundo sem fronteiras, onde todos eram iguais.

Mas, voltando ao filme. John Reed, um internacionalista, adepto dos ideais da Internacional Comunista, acreditava num mundo sem fronteiras nacionais, onde todos os seres humanos eram parte de uma só raça, a raça humana. John Reed era defensor do socialismo marxista, pois acredita que o socialismo era a única alternativa capaz de transformar o mundo num lugar melhor, mais igual e mais livre.

Mas, aquilo que se presenciou na Rússia, após a Revolução, foi o contrário disso. Pois na URSS foi criado um mundo opressor, que coibia as liberdades individuais em favor de uma suposta libertação do coletivo, este representado pelo Estado soviético.

Como sabemos pelo “andar da carruagem”, principalmente após a morte de Lenin e a ascensão de Stálin, o regime soviético se tornou numa grande e severa ditadura. As liberdades individuais foram suprimidas e a igualdade deu lugar a uma máquina estatal extremamente burocrática e hierarquizada.

Mesmo com seus ideais frustrados, Reed marcou seu tempo. Lutou contra o capitalismo mesmo estando no seio da nação que viria a se transformar na maior das potências capitalistas do século XX, os Estados Unidos.

Jamais desistindo de seus ideais. John Reed morreu em Moscou em 1920 sem presenciar a morte de Lenin e a ascensão de Stálin, bom pra ele, péssimo para os russos.

Assim como John Reed sonhava com um mundo vermelho (red), um mundo transformado pelo socialismo e sem barreiras nacionais, o SC Internacional sonha com o título do bicampeonato mundial e, assim, transformar o mundo em vermelho outra vez. Se os reds russos não tiveram sucesso, os reds colorados poderão ter.


Marcos Faber

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Revolução Farroupilha, futebol e o resto do mundo


Não existe data mais importante para o gaúcho do que o 20 de setembro. Neste dia, comemoramos a Revolução Farroupilha, andamos pilchados, assamos churrasco e bebemos mate – não que nos outros dias não façamos a mesma coisa, mas neste dia é especial. Foi num 20 de setembro que o Rio Grande do Sul tornou-se país, uma República em época de Brasil Império.

Com orgulho cantamos nosso hino: “Mostremos valor constância; Nesta ímpia e injusta guerra; Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Ostentamos com orgulho nossa tradição e nosso passado.

Fomos forjados no calor da guerra (Guerra da Cisplatina, Revolução Farroupilha, Guerra do Paraguai, Revolução Federalista, Revolução de 23, Revolução de 30, Campanha da Legalidade, etc.). Nenhum Estado brasileiro lutou tanto por si e pelo Brasil como o Rio Grande do Sul.

Hoje, não existem mais guerras para serem travadas.

Por isso, não é só nosso passado que nos enche de orgulho. O presente também. Seja na política, na cultura ou no esporte, somos orgulhosos de quem somos. Como no caso do futebol. Neste moderno campo de batalha defendemos mais do que nossas tradições, defendemos quem nós somos.

Assim como na Revolução Farroupilha, no Campeonato Brasileiro, defendemos nossa honra, lutamos contra as injustiças do poder central e buscamos nossa autonomia.

Para sermos campeões precisamos vencer o adversário, o juiz, o STJD, a imprensa e a opinião pública. Tarefa muito penosa. Talvez, por isso, não vençamos o Brasileirão há tanto tempo. São inimigos de mais para serem batidos.

Neste ponto sou obrigado a concordar com o gremista Eduardo ‘Peninha’ Bueno, que afirmou que o Brasileirão só tem uma função: dar vaga à Libertadores da América. Pois, segundo ele, a Libertadores é o campeonato que vale de verdade. Curiosamente tirando o São Paulo, os clubes que costumam “vencer” o Campeonato Brasileiro não tem muito sucesso na Libertadores. Por que será?  Bom, esse é assunto para outro dia.

Assim como pensa o Peninha, pensa a maior parte do povo gaúcho, seja colorado ou gremista. O que vale mesmo é a Libertadores. Pois, é uma questão de hierarquia de campeonatos.

Quando os Farrapos marchavam para guerra, sua fama os precedia. Eram homens que há anos lutavam pela manutenção da fronteira do Brasil, eram homens ariscos, homens de guerra. Haviam lutado contra bandeirantes, castelhanos e indígenas. Eram homens forjados na guerra, que ostentavam vitórias em infinitas batalhas.

Da mesma forma, quando Internacional e Grêmio entram no gramado para a peleja, sua fama os precede. Somados os dois clubes têm 2 títulos mundiais, 4 Libertadores, 2 Recopas Sulamericanas, 1 Copa Sulamericana, 1 Suruga Cup, 5 Campeonatos Brasileiro e 5 Copas do Brasil. Isso ficando nos campeonatos oficiais. E sem contar que o Internacional vai disputar o Mundial de Clubes da FIFA no mês que vem (também já estando na final da Recopa Sulamericana de 2011).

Mas afinal, o que é? e quem é o gaúcho?

O gaúcho nasceu de uma combinação de etnias. Europeus (portugueses, espanhóis e, mais tarde, italianos e alemães), africanos (escravos) e indígenas (minuanos, guaranis e charruas).

Gaúcho era um termo pejorativo para homens desgarrados – alguns eram ladrões de gado –, que montavam cavalos “em pelo”, ou seja, sem sela. Eram homens rústicos, que viviam no campo. Eram os "guacho", que significa "órfão" e refere-se aos filhos de índia com o branco espanhol ou português. Somente em meados do século XIX o termo deixou de ser depreciativo.

Gaúcho é uma miscelânea. Todo gaúcho é meio brasileiro e meio castelhano. Todo gaúcho é meio africano e meio charrua.

Como afirmou, certa vez, o colorado Luís Augusto Fischer, no Rio Grande do Sul alguns tendem a ser mais brasileiros do que castelhanos, já outros mais castelhanos do que brasileiros. Isso faz bela e única nossa terra e nosso povo. São de contrastes e contradições que o gaúcho é forjado.

Assim, o Rio Grande do Sul elegeu o metalúrgico Lula presidente do país em 1989 (no Rio Grande, Lula venceu Fernando Collor nos dois turnos). Assim como o negro Alceu Collares e o gaudério Olívio Dutra foram eleitos governadores do Estado. Yeda, uma mulher, foi eleita governadora. Antes, o Rio Grande fora berço da Revolução de 30 e das Reformas de Base do Jango. Mas também foi terra dos ditadores Costa e Silva, Médici e Geisel. Somos terra de contradições!

Se Tarso Genro, do Partido dos Trabalhadores (PT), é nosso governador, o Partido Progressista (PP) é o partido com o maior número de prefeituras no Estado. Lembrem que se o PT é partido de esquerda, o PP é de direita (foi base de apoio à ditadura no Brasil – na época chamava-se Arena).

Não somos uma massa homogenia. Somos diferentes, divergentes e contraditórios. Porém, somos todos irmãos. Pois somos todos gaúchos. Para ser gaúcho basta querer, não é necessário nascer aqui, para ser gaúcho tem que pensar como pensam os gaúchos.

Gaúcho é quase uma ideologia.

Gaúcho é um modus vivendis. Pois concordamos em discordar. Concordamos em sermos diferentes.

Assim, também são colorados e gremistas. São contraditórios, são rivais, mas estão sempre próximos um do outro. Não vive um sem o outro. E, como todo gaúcho, são irmãos.

Desta forma, seguiremos em nossas batalhas, com nossa fama nos precedendo. E que “sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra”.

Marcos Faber
http://www.historialivre.com/
marfaber@hotmail.com